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Cidade mineira sofreu blackout para que pista fosse iluminada durante pouso às cegas

Pouso às cegas: o dia em que a pista de aeroporto foi iluminada por carros em Araxá Enquanto pai e filho enfrentavam uma tempestade na tarde de 15 de maio de ...

Cidade mineira sofreu blackout para que pista fosse iluminada durante pouso às cegas
Cidade mineira sofreu blackout para que pista fosse iluminada durante pouso às cegas (Foto: Reprodução)

Pouso às cegas: o dia em que a pista de aeroporto foi iluminada por carros em Araxá Enquanto pai e filho enfrentavam uma tempestade na tarde de 15 de maio de 1983, a bordo de um monomotor Embraer EMB-712 "Tupi", Araxá sofreu um blackout para que apenas as luzes dos faróis dos 200 veículos que iluminavam a pista de pouso se destacassem vistas do céu. Para que o pouso seguido de alívio ocorresse, uma grande mobilização ocorreu para que as luzes fossem apagadas. Segundo o radialista da Rádio Imbiara à época, Paulo César, o prefeito interveio para que o blackout ocorresse. Como faróis de carro ajudaram a salvar avião com pai e filho em MG “Tentamos contato com os responsáveis pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), mas não conseguimos. Em seguida, falamos com o prefeito, que conseguiu falar com um dos coordenadores da empresa para autorizar o blackout”, contou. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Triângulo no WhatsApp Quando as luzes de parte da cidade se apagaram e a pista do Aeroporto Municipal iluminada pelos carros foi vista, o militar da aeronáutica José Maria Humberto Rosa, que pilotava a aeronave, e seu filho Marcello Rosa, não pensaram muito, era o momento de apontar o monomotor para aquele espaço e pousar. Em terra, os presentes viram o avião tocar a pista do aeroporto em alta velocidade, varando a pista e parando no mato. Ao sair do avião, o piloto foi saudado pela multidão, que o jogava para cima celebrando o difícil feito. Atrás seguia Marcello, aliviado. José Humberto, a esposa Maria José e os filhos Erika e Mark Reprodução/Arquivo pessoal Do bate e volta à quase tragédia Naquele dia, há mais de 40 anos, José Humberto foi convidado por amigos para buscar um avião em Caldas Novas. Ele atuava no controle de tráfego aéreo no Aeroporto de Uberlândia. Segundo Marcello, convites para tais voos eram comuns. “Sempre que surgia uma oportunidade de voo para acumular horas, ele aceitava. Ficava aguardando algum convite. Foi exatamente o que aconteceu naquele dia: ele recebeu o convite de dois pilotos para ir até o aeroporto de Caldas Novas buscar um bimotor, e fomos até lá no Tupi da escola de aviação”, disse o filho. Após pegarem o avião, os amigos retornaram para Uberlândia, seguidos de José e Marcelo. Devido à diferença de velocidade entre os aviões, um bimotor e um monomotor, pai e filho ficaram para trás. Para piorar, no caminho estava uma tempestade que atingiu diversas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba naquele dia. As nuvens estavam densas, escuras, cheia de raios e trovões, além de muita água. José se lembra de tentar desviar do temporal manobrando a aeronave para contorná-lo. No entanto, as nuvens engoliram o monomotor. Com a visão prejudicada, pai e filho não conseguiam ver mais Uberlândia. “Meu pai até queria pousar em Araguari devido ao mau tempo, mas eu trabalhava em uma rádio e pedi para que tentasse pousar em Uberlândia e eu não perdesse o horário de serviço. Isso era por volta de 16h e às 20h eu deveria estar na rádio”, relembrou Marcelo. Marcello quando trabalhava como radialista Reprodução/Arquivo pessoal Quando uma brecha nas nuvens surgiu, José Humberto e Marcello avistaram uma cidade com poucos prédios abaixo e os dois desconfiaram que não estavam mais sobrevoando o destino que pretendiam. Foram quase duas horas sobrevoando a cidade, até que em meio às nuvens carregadas, Marcelo viu de longe a palavra “Zema” destacada em um dos prédios. Foi nesse momento que pai e filho se deram conta de que estavam em Araxá, cidade a 175 quilômetros de Uberlândia. “Por sorte eu consegui sincronizar nosso rádio e falar com os amigos do meu pai que estavam no outro avião. Eu falei para eles que estávamos perdidos e que a única coisa que eu via era a palavra Zema escrita em um prédio. Só assim eles conseguiram identificar que estávamos em Araxá, bem longe de Uberlândia”. Motoristas iluminam pista para pai e filho pousarem avião no Aeroporto de Araxá g1 LEIA TAMBÉM: Como é a cidade dos maiores diamantes do Brasil Namorados se reencontram após 30 anos e retomam relação proibida Avô e neto saem de carro e são encontrados a 100 km de casa Pânico em terra e no ar Em terra, os moradores de Araxá estavam assustados com o avião voando baixo. À época com 21 anos, o radialista Paulo César lembra que estava no Centro quando a tempestade fez o céu escurecer. Pouco depois, recebeu um chamado do chefe na Rádio Imbiara, José Deusdeti de Resende, que tinha avistado o avião sobrevoando a cidade e estava preocupado. “Ele me disse que iríamos interromper a transmissão do ‘A Voz do Brasil’ para que eu pudesse tentar orientar o piloto da aeronave. Isso era algo único e que só acontecia em casos muito específicos”, disse Paulo. Ao entrar ao vivo, Paulo repetia incansavelmente mensagens que indicassem onde o piloto da aeronave estava e, ao mesmo tempo, tentava guiá-los para o aeroporto da cidade. No entanto, nenhum contato foi feito oficialmente entre a rádio e José. Paulo César na Rádio Imbiara de Araxá Reprodução/Arquivo pessoal Luz no fim...da pista “Atenção, proprietários de veículos: favor se dirigir ao Aeroporto Municipal para auxiliar na tentativa de salvar uma aeronave que está tentando pousar na cidade.” Essa foi a mensagem anunciada por Paulo na rádio para os moradores de Araxá. A noite tinha chegado, o avião permanecia no ar e o plano era que todos que tivessem carro fossem para o aeroporto e usassem os faróis para iluminar a pista e guiar o piloto. No entanto, para que o plano funcionasse e o piloto enxergasse a pista iluminada pelos carros era necessário que a energia na região do aeroporto fosse cortada. “Quando anoiteceu tínhamos apenas 15 minutos de combustível. Eu tentava me manter tranquilo e já havia definido um local que usaria para um pouso de emergência. Foi então que a cidade se apagou e eu consegui ver uma luz”, relembrou José. A luz vista era, na verdade, os faróis de quase 200 carros posicionados para iluminar a pista de pouso. Sem tempo para pensar, José, com a ajuda de Marcelo, direcionaram a aeronave para o pouso. “Tínhamos cerca de 15 minutos de combustível quando a cidade entrou em blackout e de longe vimos a iluminação feita pelos carros. Só depois soubemos que o prefeito havia autorizado que a companhia de energia interrompesse o fornecimento. Por sorte conseguimos fazer o pouso, mas a situação era apavorante, hoje sei que nascemos de novo”, lembrou Marcelo, que na época tinha 19 anos. Quando o trem de pouso do monomotor tocou o chão, a velocidade era tanta que o avião saiu da pista. O piloto e o filho, porém, não se feriram. Ao sair da aeronave, vestido dos pés à cabeça com o uniforme da Aeronáutica, José Humberto foi recebido pelos moradores que ignoraram a chuva. Em comemoração, ele foi carregado e lançado para o alto. Marcelo seguiu logo atrás, correndo atrás da multidão e, mesmo perdendo o dia de trabalho, estava aliviado por pisar em terra firme. “Naquela época, o caso não teve grande repercussão, mas é uma história que todo mundo deveria conhecer. Quem entende um pouco de aviação e ouve quando contamos, costuma dizer apenas uma coisa: a gente só vai quando chega a hora", afirmou Marcelo. Nas páginas de jornal O feito de pai, filho e cidade ganhou as páginas do Correio de Araxá dias depois. Na edição de sábado, dia 22 de janeiro, o jornal descreveu assim a mobilização para o salvamento: "Notando que algo anormal estava acontecendo, Araxá inteira se mobilizou, após tomar conhecimento do apelo que a 'Imbiara' formulava aos proprietários de veículos, no sentido de que se deslocassem para o Aeroporto, a fim de auxiliarem na iluminação da pista. Duas horas após, percebendo o deslocamento contínuo de viaturas ao longo de nossas principais avenidas, o piloto pode localizar o campo, que tinha a cabeceira 33 totalmente iluminada". Pouso às cegas ganha destaque no Correio de Araxá Caso verdade Apesar de não ganhar tanta repercussão de imediato, o episódio vivido por pai e filho foi tema do programa "Caso Verdade", algum tempo depois. O quadro, exibido pela Rede Globo entre 1982 e 1989, trazia histórias reais dramatizadas por atores. Inspirado em fatos enviados por telespectadores ou retirados de notícias, o programa misturava encenação com narração jornalística, abordando casos de violência, dramas familiares, acidentes, crimes e situações de superação. Com um tom marcante, sempre carregado de emoção e impacto, a atração tinha como objetivo despertar reflexão e transmitir uma mensagem moral ao final de cada episódio. Por sorte, quando os momentos de tensão foram vividos por José e Marcelo, um dos roteiristas do "Caso Verdade" estava em Araxá. Ele entrevistou os dois e, meses depois, retornou à cidade para transformar a história real no programa para a TV. No elenco, trabalharam os atores Otávio Augusto, Gilberto Martinho e Milton Gonçalves. O episódio do sobre a história teve título “SOS Araxá – avião em voo cego”, sendo exibido em cinco capítulos, entre os dias 12 e 16 de setembro de 1983, com duração de 25 minutos cada capítulo. Elenco que participou do Caso Verdade Reprodução/Arquivo pessoal VÍDEOS: veja tudo sobre o Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas

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